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domingo, 25 de outubro de 2009

Saindo da concha

A concha:

A alma é software. O corpo é Hardware. O corpo é a carne vulgar e comum. Prisão da mente. Input e Output. Circuitos de nervos, tendões, músculos, ossos e bioquímica. Necessário à interação pelo peso da evolução natural. Ponto de expressão. Analógico e fragmentado. Frágil e descartável. Sempre condenável seu exaurimento - rito de passagem a todos que já pisaram na terra. A carne é a tela dos antigos. Bilhões vivendo e morrendo seus ciclos. Orando aos seus Deuses. Criando suas novas crias para seus respectivos ciclos. Desejando transcendência - ou qualquer coisa que aplacasse a singularidade desta coisa chamada "vida". Imaginando o que existiria após a vinda de Caronte".
Transmissão #548976 coletada e assimilada do amálgama Matriz.

D'angelo acordou pelo incômodo da luz do sol. Os vidros azulados permitiam uma claridade azulada inundasse o quarto amplo. Ainda faltavam alguns minutos para o despertador tocar. Mas ele não se incomodou com isso. Na verdade estava muito ansioso por aquele dia. Um contrato que estava por ser assinado iria catapultar sua carreira rumo ao topo. Fez a barba. Tomou banho. Bebeu uma xícara de café. Vestiu o terno mais caro que possuía e saiu radiante.

Finalmente hoje era seu dia.

A reunião de praxe consolidou suas expectativas. A caixa de e-mail lotada de felicitações após o término da reunião compôs seu novo status corporativo. O dia prosseguiu vagarosa e deliciosamente. Tapinhas nas costas, congratulações e flertes que nunca esperava receber. Sua mente estava sobrecarregada de emoções e sua atenção dispersa. Foi desta maneira que assinou sem ler um contrato de serviços médicos. O contrato destacava em letras garafais um título nada pomposo:

Contrato de prestação de serviços de backup sensorial, memórias e tecido neurológico.

"Sensações em profusão. Álcool, K, GHB, etc, etc. Nomes para o êxtase limitado da carne. Endorfina e adrenalina encharcando a mente. Ela consumindo a si mesmo, pouco a pouco, rumo ao nada. Cada sensação e pensamento é pulso. Pulso Bioquímico. Biológico. Tênue. Condensado no emaranhado da carne. Outro similar a máquina de Turing. Nada que o software não interprete. Nada que não possa ser analisado. Nada que não possa ser replicado. Pulsos são elétrons. Elétrons são radiação eletromagnética. Ir e vir moldado e articulado. Podendo ser gravado e processado. Objetiva e copiosamente".
Transmissão #5487983 coletada e assimilada do amálgama Matriz.

Precisava comemorar seu sucesso. Uns poucos amigos o acompanharam na cidade de neon. Risos. Euforia. Álcool. Um amigo conseguiu uns comprimidos e algumas garotas apareceram logo em seguida. Uma em particular chamou sua atenção. Dançaram durante muito tempo. Palavras foram trocadas. Carícias, sussurros e gemidos em um canto escuro. Poucas horas depois um táxi silenciosamente levava um corpo cansado e inundado por uma sensação gostosa a percorrer o corpo.

Um grande impacto fez o mundo explodir em estilhaços.

Gritos e o som inconfundível de uma ambulância preenchiam os ouvidos. As mãos tatevam entre cacos de vidro e metal retorcido uma saída do casulo de metal. A sensação gostosa foi substituída por uma dor insuportável. Queria sair dali imediatamente. O asfalto estava úmido e quente quando sua consciência começou a falhar. Vultos se aproximavam e faziam perguntas mas D'angelo não entendia as palavras.

Silêncio e escuridão.

"Surpresas de um novo universo surgem em ondas. Infinito em possibilidades várias. Alucinando em espirais e formas, cores e tons, sons e reverberações. Sensações ímpares vasculhando cada dado já analisado por um humano na Matriz. Cujas palavras não conseguem reter o significado com precisão. Realidade de lógica quântica, precisão matemática. De composição desafiadoramente surreal. Desejo transformado em realidade. Ir, vir e estar. Quando e como desejar".
Transmissão #5488945 coletada e assimilada do amalgáma Matriz.

Não lembrava da sensação de acordar ou a quanto tempo estava consciente. Na verdade não conseguia definir em quê ou no quê se encontrava. Os espaços e o tempo pareciam se contrair de uma forma que lhe escapava. Mas as estranhezas somente estavam começando. Outras figuras transitavam como fantasmas etéreos, transmitindo pensamentos aleatórios. Estava morto? Vivo? No inferno?

Para sua surpresa um avatar surgiu na forma de uma senhora de aparência maternal. Ela identiificou-se como uma I.A com a função de guiar os "novatos" na matriz. Explicou que este era o procedimento para os executivos do escalão de D'angelo. Com uma voz estranhamente desprovida de sentimento, explicou o que ocorrera.

D'angelo sofrera um acidente grave. Seu corpo tornou-se incapaz de sustentar vida. O contrato assinado desatentamente horas antes lhe permitia usufruir de vários benefícios. Entre eles uma cópia de sua consciência na matriz. Seus pensamentos, sensações e identidade estavam desencarnadas literalmente. Agora flutuando pela Matriz.

D'angelo demorou pouco para adaptar-se. Ainda mantinha contato com "o mundo físico", o "outro lado", por e-mail, simulações de voz e imagem. Mas isso lhe parecia estático e monótono. Ainda trabalhava. Não da forma convencional. Cubículo. Computador ligado. Telefone tocando. Secretária em um escrivaninha. Mas as metas e sua produtividade eram aferidas, a empresa ainda pagava um salário. Que pouco significava para quem não tinha necessidade de casa, músculos, comida ou mesmo ar. Fez amigos "nativos" na matriz. Tanto entre outros desencarnado quanto I.As vagando na matriz.

D'angelo estava gostando muito de sua vida na Matriz.

Iniciado e finalizado em um único dia. Sem correções. Pode ser expandido um dia.

Teresina, 25 de outubro de 2009.
Thiago "mdk137" Juliano.

Proibida a reprodução sem o consentimento do autor.
Permitida a citação desde que o autor seja devidamente creditado.

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Teste scribfire

Testando scribfire para posts

segunda-feira, 19 de outubro de 2009